Pequena nota
Mais uma interessante
recordação que o nosso apreciado colaborador, Gaspar Santos nos traz hoje e
totalmente desconhecida pelo menos das duas últimas gerações. Também eu tenho
uma leve noção do “gaitinha” nas feiras da minha terra pelo que penso ser de
uso geral.
Sempre ouvi falar num
alcoutenejo que fez toda a sua vida com esta actividade mesmo quanto foi
proibida como jogo de azar com dinheiro à vista o que me parece ter sido uma
medida do “Estado Novo”. O indivíduo faleceu em acidente de viação há poucos
anos.
Desapareceu do seu
monte ainda jovem e a que nunca mais voltou tendo deambulado pelo litoral
algarvio e o seu último aparecimento conhecido foi há uns bons anos na Feira de
S. Marcos o que provocou barafunda com a entidade policial (GNR).
Esta pequena nota
ajusta-se ao texto seguinte que dá a conhecer a muitos alcoutenejos esta
desaparecida e ilícita actividade.
JV
Escreve
Gaspar Santos
O alcoutenejo nos momentos de descanso das suas lides da
lavoura também gostava de jogar inocentes jogos de cartas, ou assumia mesmo
algum risco em partidas a dinheiro. Conheci até um comerciante que, quando nada
havia para fazer, ele e o filho jogavam às cartas a dinheiro…que no entanto,
voltava de novo para a mesma gaveta da venda donde tinha saído.
Nos anos 40 e 50 do século passado, nas feiras do concelho
de Alcoutim, nomeadamente na feira de Alcoutim e no Pereiro na Feira de S.
Marcos exploravam um jogo, penso que com autorização legal, a que davam o nome
de Gaitinha.
Mesmo em contexto das grandes dificuldades financeiras que
afectavam a generalidade das pessoas do concelho, havia sempre umas moedas para
arriscar quando se proporcionava ocasião para tal. E, tenho a certeza, de que
ninguém dos que ali jogava lhe passava pela cabeça ganhar muito dinheiro.
O Gaitinha, constituído por uma mesa articulada fácil de
transportar, era em caricatura, um casino ambulante em miniatura! No tampo
tinha desenhada uma quadrícula de 6 quadrados numerados de 1 a 6 e, num dos lados o
desenho de um circulo.
Cada quadrado servia para os jogadores ou apostadores
colocarem em cada jogo as moedas que queriam apostar, na esperança de que o
número de pintas na face do dado correspondesse ao número do quadrado e assim
ganhar. O círculo desenhado na mesa era o sítio em que repousava um dado
coberto por um copo de alumínio.
O dono da mesa, ou seja o homem que explorava este jogo,
gritava com insistência e voz bem sonora, para entusiasmar os jogadores:
Gaitinha! Gaitinha!
Ao mesmo tempo, com a mão, agitava o copo com o dado lá
dentro que fazia uma música característica, e produzia um espectáculo que nós
os jovens, não jogando, achávamos muito divertido.
Quando colocava o copo sobre o círculo, aguardava que os
jogadores mais retardatários fizessem as suas apostas. Completadas as apostas,
com alguma solenidade o “Banqueiro”
levantava o copo mostrando o dado. Quem apostara no número que o dado mostrava
virado para cima ganhava o dobro do que apostara.
Contemplando, portanto, naturalmente, um apenas ou vários
dos apostadores que tivessem jogado nesse número… ou ninguém se não tivesse
havido apostadores nesse número.
Havia várias hipóteses de jogo, de que se dão dois exemplos:
1) Seis apostadores arriscavam um escudo cada um no seu
número; A banca recebia seis escudos e àquele que a sorte favoreceu pagava dois
escudos; ganhando, portanto, quatro escudos.
2) Um apostador arrisca um escudo num número, e não há mais
nenhum a apostar; se lhe sair recebe dois escudos. A banca perde um escudo.
Numa feira ou mercado o “banqueiro” escolhia o local de
trabalho que lhe parecia melhor para captar os apostadores. E, como não
precisava de muito espaço e o próprio equipamento era fácil de deslocar, ele
ia-se mudando de um lado para outro até afinar o melhor posicionamento para o
seu negócio.
O “banqueiro” não conhecia matemática nem teoria dos jogos,
nem que os jogos de casino são matematicamente estudados de modo que as
probabilidades de ganho favoreçam ligeiramente o próprio casino. Ele sabia por
experiência do ofício que as pessoas gostavam de ali se divertir, gastando
alguns cobres que ele poderia embolsar sem grandes considerações até de
equitatividade do jogo.
Lembro-me de pelo menos um homem que operava nos mercados e
feiras no concelho de Alcoutim, mas não sei o seu nome.
Algumas mesas mais
sofisticadas tinham duas quadrículas desenhadas: uma preta e outra vermelha e o
jogo realizava-se com dois dados. Um vermelho e outro preto. No fundo
correspondia a dois jogos em simultâneo. Ainda vi algumas vezes este jogo
assim com um ar mais sofisticado na feira de Alcácer do Sal, mas nos últimos
anos deixei de o ver. Penso que por se tratar de jogo a dinheiro e sendo um
casino artesanal a legislação o teria proibido.