sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

“Casino Ambulante" – Gaitinha, Jogo de Feira


Pequena nota

Mais uma interessante recordação que o nosso apreciado colaborador, Gaspar Santos nos traz hoje e totalmente desconhecida pelo menos das duas últimas gerações. Também eu tenho uma leve noção do “gaitinha” nas feiras da minha terra pelo que penso ser de uso geral.

Sempre ouvi falar num alcoutenejo que fez toda a sua vida com esta actividade mesmo quanto foi proibida como jogo de azar com dinheiro à vista o que me parece ter sido uma medida do “Estado Novo”. O indivíduo faleceu em acidente de viação há poucos anos.

Desapareceu do seu monte ainda jovem e a que nunca mais voltou tendo deambulado pelo litoral algarvio e o seu último aparecimento conhecido foi há uns bons anos na Feira de S. Marcos o que provocou barafunda com a entidade policial (GNR).

Esta pequena nota ajusta-se ao texto seguinte que dá a conhecer a muitos alcoutenejos esta desaparecida e ilícita actividade.

JV
 

 
 
 
Escreve

Gaspar Santos

 
O alcoutenejo nos momentos de descanso das suas lides da lavoura também gostava de jogar inocentes jogos de cartas, ou assumia mesmo algum risco em partidas a dinheiro. Conheci até um comerciante que, quando nada havia para fazer, ele e o filho jogavam às cartas a dinheiro…que no entanto, voltava de novo para a mesma gaveta da venda donde tinha saído.

Nos anos 40 e 50 do século passado, nas feiras do concelho de Alcoutim, nomeadamente na feira de Alcoutim e no Pereiro na Feira de S. Marcos exploravam um jogo, penso que com autorização legal, a que davam o nome de Gaitinha.

Mesmo em contexto das grandes dificuldades financeiras que afectavam a generalidade das pessoas do concelho, havia sempre umas moedas para arriscar quando se proporcionava ocasião para tal. E, tenho a certeza, de que ninguém dos que ali jogava lhe passava pela cabeça ganhar muito dinheiro.

O Gaitinha, constituído por uma mesa articulada fácil de transportar, era em caricatura, um casino ambulante em miniatura! No tampo tinha desenhada uma quadrícula de 6 quadrados numerados de 1 a 6 e, num dos lados o desenho de um circulo.

 
Cada quadrado servia para os jogadores ou apostadores colocarem em cada jogo as moedas que queriam apostar, na esperança de que o número de pintas na face do dado correspondesse ao número do quadrado e assim ganhar. O círculo desenhado na mesa era o sítio em que repousava um dado coberto por um copo de alumínio.

O dono da mesa, ou seja o homem que explorava este jogo, gritava com insistência e voz bem sonora, para entusiasmar os jogadores: Gaitinha! Gaitinha!

Ao mesmo tempo, com a mão, agitava o copo com o dado lá dentro que fazia uma música característica, e produzia um espectáculo que nós os jovens, não jogando, achávamos muito divertido.

Quando colocava o copo sobre o círculo, aguardava que os jogadores mais retardatários fizessem as suas apostas. Completadas as apostas, com alguma solenidade  o “Banqueiro” levantava o copo mostrando o dado. Quem apostara no número que o dado mostrava virado para cima ganhava o dobro do que apostara.

Contemplando, portanto, naturalmente, um apenas ou vários dos apostadores que tivessem jogado nesse número… ou ninguém se não tivesse havido apostadores nesse número.

Havia várias hipóteses de jogo, de que se dão dois exemplos:

1) Seis apostadores arriscavam um escudo cada um no seu número; A banca recebia seis escudos e àquele que a sorte favoreceu pagava dois escudos; ganhando, portanto, quatro escudos.

2) Um apostador arrisca um escudo num número, e não há mais nenhum a apostar; se lhe sair recebe dois escudos. A banca perde um escudo.

Numa feira ou mercado o “banqueiro” escolhia o local de trabalho que lhe parecia melhor para captar os apostadores. E, como não precisava de muito espaço e o próprio equipamento era fácil de deslocar, ele ia-se mudando de um lado para outro até afinar o melhor posicionamento para o seu negócio.

O “banqueiro” não conhecia matemática nem teoria dos jogos, nem que os jogos de casino são matematicamente estudados de modo que as probabilidades de ganho favoreçam ligeiramente o próprio casino. Ele sabia por experiência do ofício que as pessoas gostavam de ali se divertir, gastando alguns cobres que ele poderia embolsar sem grandes considerações até de equitatividade do jogo.

Lembro-me de pelo menos um homem que operava nos mercados e feiras no concelho de Alcoutim, mas não sei o seu nome.

 Algumas mesas mais sofisticadas tinham duas quadrículas desenhadas: uma preta e outra vermelha e o jogo realizava-se com dois dados. Um vermelho e outro preto. No fundo correspondia a dois jogos em simultâneo. Ainda vi algumas vezes este jogo assim com um ar mais sofisticado na feira de Alcácer do Sal, mas nos últimos anos deixei de o ver. Penso que por se tratar de jogo a dinheiro e sendo um casino artesanal a legislação o teria proibido.