Pequena nota
Como tínhamos dito,
aqui está a transcrição de parte das páginas 124 e 125 do livro de José Gorani
“Portugal – A Corte e o Pais nos anos de
1765 a 1767” , Edição de 1945.
Além da referência ao
contacto com os alcoutenejos, transcrevemos, igualmente, a impressões deixadas
pela Universidade.
JV
(...)
O Desembargador
Figueira, tendo muito que fazer nesta cidade, deixou-me com o tempo mais que
suficiente para visitar os amáveis jovens que me haviam acompanhado de Alcoutim
a Aldeia Galega. Foi em Coimbra que estes simpáticos moços acabaram por, de
todo, me fazer esquecer a sua leviandade. Prodigalizaram-me todas as provas da
sua amizade sincera e proporcionaram-me o conhecimento das mais divinas belezas
do Mondego.
Cidade de Coimbra |
Excepto à hora das
refeições, em que me cumpria acompanhar o Desembargador, o resto do meu tempo,
enquanto permaneci em Coimbra, foi todo passado na companhia dos encantadores
rapazes, para os quais não encontro suficiente elogio. Embora me custasse,
tive, porém, de os deixar. Houve lágrimas! E, devo confessá-lo, não existe
ninguém mais amável, mais nobre e mais desinteressado que um rapaz português.
Se tivesse agora comigo os meus jornais de viagem, quantas coisas vos não
poderia contar destes estudantes tão espirituosos, tão cheios de engenho e tão
instruídos como admiravelmente comportados! Por eles conheci todos os
professores, bem como muitos estudantes; toda a gente foi amabilíssima comigo.
Encontrei na
Universidade antigas rotinas de Coimbra professores de grande saber. Embora
fossem obrigados a seguir antigas rotinas, eles estavam a par de todas as
descobertas feitas no estrangeiro. Em história natural, trabalhava-se ali
superiormente e Buffon, que era um ídolo em França e noutros países, não o era
na Universidade de Coimbra, onde chamavam à História Natural deste autor”o
romance da Natureza”.
Desafio quem quer que
seja de encontrar noutro país uma Universidade que se avantage à de Coimbra em
arqueologia, grego, hebreu, caldaico e
árabe. Quase todas as lições era proferidas em latim e principalmente as
de Moral, Medicina, Jurisprudência, Direito canónico, Sagradas Escrituras,
História eclesiástica e Teológica. Assisti a algumas lições e adquiri o mais
profundo apreço por este Universidade, onde todos os professores dispunham de
grande liberdade.
D.Afonso IV |
Mostraram-me, nesta
Universidade, uma redução do estabelecimento que eu vira em Roma, mas em maior,
no famoso Colégio da Propaganda fide. Este estabelecimento devia a sua origem a
D. Afonso IV, que em 1348 já pensava na maneira de dilatar o Cristianismo e os
seus domínios nos países longínquos. Este príncipe quis aproveitar a favor do
Estado a virtuosa coragem e o zelo ardente dos religiosos, que já então se
ofereciam para correr mares e terras em busca de prosélitos da sua religião e
de fiéis súbditos dos seus reis. Existiam então muitas imprensas para dar à
estampa os livros elementares dos idiomas dos povos bárbaros que estavam
espalhados pela África, Ásia e América. Havia também uma biblioteca constituída
por livros impressos em todas estas línguas, cartas, estampas e outras obras,
de todos os géneros, que pudéssemos industriar os jovens que se desejassem
aprontar para percorrer tais países com proveito próprio e do Estado .Mostraram-se
outrossim cartas escritas pela mão deste mesmo D. Afonso IV e fizeram-me os
maiores elogios de todos aqueles que se separam de pais, amigos e hábitos para
ir ao fim do mundo levar a luz da religião de costumes e hábitos benignos,
transportando-se a climas inóspitos, percorrendo países desconhecidos, sob o
rigor do tempo, vencendo precipícios e atravessando desertos, sempre no risco
de encontrar, por onde andam, a miséria e a doença – tudo para simplesmente
humanizarem os selvagens. Mas este estabelecimento admirável, de que só os
abusos são condenáveis, apenas floresceu até fim da primeira dinastia.
(...)
(*) Título da nossa responsabilidade.