Escreve
M Dias
Ela veio do Sul e está em
Lisboa há poucos dias. Não cabe em si de contente por estar pela 1ª vez a
experimentar a liberdade de estar longe dos pais, entregue a si própria. Usa
vestido de linha direita, curto, a condizer com o tom da pele bronzeada, os
olhos esverdeados, e o cabelo castanho claro atado em rabo-de-cavalo.
Estávamos em 1968 num fim de tarde agradável
de finais de Setembro. Junta-se a um grupo de colegas e decidem ir lanchar a
uma pastelaria. Muita algazarra, alegria, risos, tropelias.
Experimenta beber um martini e fumar um cigarrito. Fumar era
chique e não se gosta de fazer má figura! Saiu acompanhada dos colegas e
passados poucos minutos, o efeito do cigarro e do martini aumenta a euforia!
Ri desalmadamente e ao
caminhar pelo passeio ouve a repetição das suas gargalhadas. Eco? Imitação?
Pára, escuta, fica intrigada, mas continua o caminho com os colegas que
entretanto se divertiam à sua custa.
As gargalhadas
continuavam a ser imitadas e aí, de novo intrigada, virava-se na direção do
som. Já não estou a achar piada a isto!
Mais risadas dos colegas
e assim se fez o caminho até a casa.
Mas, no dia seguinte,
ainda intrigada com tal situação, volta à mesma rua e surpreende-se com o que a
espera. Um jovem que lhe acenava da varanda de onde lhe parecia vir o som no
dia anterior, pergunta-lhe: Hoje não vens da festa? E sem esperar resposta ,
imita, na perfeição as suas gargalhadas .
Este episódio repetiu-se
durante alguns dias. Deu em
Namoro. Vivia-se a época dos revolucionários Beatles, dos
românticos ADAMO, CHARLES AZNAVOUR, TON JONES, e os ultra românticos Cantores
brasileiros. Dançava-se nas matinés
do Clube Ferroviário, Da Lareira, Do Ad Lib e tantos outros., ao som de canções
como Domingo à Tarde de NELSON NED, do CALHAMBEQUE de ROBERTO CARLOS e outros
do género.
Mas os tempos, de grandes
receios, de ignorância, de muito secretismo e muita censura, assustavam-nos. As
cartas recebidas dos pais vinham repletas de conselhos e precauções!
É preciso estudar! O
namoro fica para depois.
Os desentendimentos com o
namorado que no início a encantava começaram a ser demasiado frequentes e o
namoro termina!
Termina o namoro e começa
a perseguição que se torna insuportável! O jovem afável e afectuoso,
transforma-se.
Ao fim de muitas e
variadas peripécias, consegue afastá-lo do seu quotidiano.
Passaram 25 anos e
acontece casualmente o reencontro. Mas este foi um reencontro completamente
inesperado e surpreendentemente chocante! O seu ex-namorado, um jovem fisicamente
robusto, atlético e muito bonito, surge agora desfigurado.
Sequelas terríveis da
guerra, para onde foi para cumprir o seu dever patriótico, não o deixaram
prosseguir a vida, conforme os seus sonhos de há 25 anos atrás.
Agora, o nosso abraço,
foi longo e molhado. De lágrimas. De tristeza,” alegria”e ternura.